Será a Finlândia o país mais feliz do mundo?

Edgar Carreira

Edgar Carreira frequentou a nossa escola entre 2001 e 2007. Licenciou-se em Serviço Social, no Instituto Politécnico de Leiria, e fez dois mestrados: um em jornalismo, na Universidade Nova de Lisboa, e outro em Serviço Social, no ISCTE. Vive, atualmente, em Helsínquia, capital da Finlândia, país considerado como o mais feliz do mundo, onde exerce a profissão de assistente social na CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens).

Por que razão seguiu a área social? Fez algumas mudanças ao longo dos seus estudos?

No princípio, eu tinha a ideia de ser jornalista, mas, no último ano do secundário, falei com o psicólogo. Estava um pouco confuso, não sabia que curso escolher. Fiz testes psicotécnicos e, depois de ouvir “Olha, tu eras bom para assistente social”, acabei por seguir esta área.

Voltou à escola da Batalha para partilhar o seu testemunho. Está a gostar desta experiência?

Estou a gostar bastante. Quase tudo mudou, mas revi alguns professores, como por exemplo a professora Ana Luísa Fernandes, que me ensinou em dois anos aquilo que muitos não aprendem em cinco.

Tem alguma recordação marcante da sua passagem pela nossa escola?

Várias, especialmente as pessoas: a D. Sandra, a professora Ana Luísa, o professor Paulo e os professores, em geral. Também guardo memórias dos intervalos e das aulas. Lembro-me da vida e das matérias aprendidas que fizeram a diferença na minha formação.

Falemos agora da sua experiência em Helsínquia. Tem sentido dificuldades?

Do ponto de vista profissional, tenho dificuldades com a língua finlandesa, especialmente, em escrever textos oficiais, por causa da gramática. Do ponto de vista pessoal, é a questão do isolamento porque é uma cultura completamente distinta da nossa, onde tudo é visto ao contrário do que é visto em Portugal. Mesmo estando em grupo, os finlandeses quase não falam. Há perguntas bizarras que me fazem…

Quer dar um exemplo mais concreto?

Há cerca de dois anos, na minha segunda semana de trabalho, fui chamado pela chefe para me advertir de que não devia tocar nas pessoas enquanto falava, pois os meus gestos tinham sido interpretados como assédio. Em Portugal, dizemos piadas, falamos ironicamente; na Finlândia, não, levam tudo a sério. Expliquei à minha chefe que era uma questão cultural, que eram automatismos próprios de ser português, mas, gritando-me, ela disse para eu parar com “esses automatismos”. Pensei então: “Eles é que me pagam, eles é que mandam”.

Escolheu trabalhar no estrangeiro por alguma razão especial?

Na fase final do mestrado, comecei a pensar nas condições de trabalho que havia em Portugal: salários muito baixos, falta de reconhecimento do curso, trabalhar para sobreviver… Como já conhecia a Finlândia, tinha tido contacto com professores deste país e tinha lido vários artigos científicos que davam conta da necessidade de assistentes sociais nos países nórdicos, num futuro próximo, tomei a decisão de aprender finlandês.

No desenvolvimento do seu trabalho apenas usa o finlandês ou também outras línguas?

O finlandês, sobretudo, mas há situações de trabalho em que uso o russo, o inglês, o castelhano e o francês. Também já trabalhei em português e uma vez em italiano.

Na Finlândia, há algum problema que o tenha impressionado?

A questão das relações humanas, que lá não existem. Antes de vir de férias para Portugal, perguntei ao rapaz que vive comigo o porquê de, na Finlândia, as pessoas não se relacionarem com os familiares. Fiquei a saber que é por causa da independência financeira. Fiquei impressionado porque, naquele momento, também eu era independente financeiramente, contudo, preparava-me para regressar ao meu país e estar com os meus pais. Conheço situações de finlandeses que estão há oito anos sem falar com os pais e acham que é absolutamente normal.

Pensa que este problema é sentido pelas crianças?

Sim, enquanto nós, aqui, estamos até aos trinta anos em casa dos pais, se for preciso, e somos sempre bem-vindos, lá, a maioria tem de sair de casa aos dezoito anos.

É mesmo uma vergonha social se ficarem mais tempo em casa dos pais?

Sim. No meu trabalho, ouvi uma mãe a dizer ao filho de dezasseis anos: “Nós já não podemos viver juntos”. Alguém que ouça isto, com esta idade, fica traumatizado. Dizem que é muito bom as crianças de cinco anos irem sozinhas para a escola, mas eu penso nas consequências: ficam traumatizadas, deprimidas, não têm competências comunicacionais, têm muito afeto pelo álcool, mas zero pelas pessoas… E lembro a minha infância em que fui levado para a escola pela mão dos meus pais. Não foi isso que me impediu de viajar sozinho 3000 quilómetros, chegar lá e triunfar!


Carolina Laranjeiro (11.º C) e Ana Leonor (11.º C)