A 24 de março, celebrou-se o dia em que vivemos mais tempo em democracia do que em ditadura. Portugal esteve sob o regime do Estado Novo durante quarenta e oito anos e, passado este tempo, parece que muitos portugueses se esqueceram da luta que tantos outros fizeram pela liberdade.
Para relembrar as condições em que o povo português viveu e celebrar o dia da Revolução dos Cravos, entrevistámos alguns batalhenses que viveram a sua juventude oprimidos pelo regime ditatorial de Salazar.
Lisete Pereira tinha 19 anos quando se deu o 25 de abril e era costureira. Atualmente, trabalha no quiosque “O Condestável”.
Alfabeto: Quais são as suas memórias mais marcantes durante a ditadura?
Lisete Pereira: Não se falava muito nas aldeias. Como sabíamos que não podíamos falar, acatávamos, portanto, era melhor não falar.
A: Como foi o 25 de abril, para si?
LP: Eu estava a trabalhar e, por aqui, passou-se pouca coisa. Só nos dias que se seguiram é que começaram as manifestações, ajuntamentos, debates, conversas… E foi assim até chegarmos à conclusão de que tudo era muito melhor para nós.
A: Como se sente ao ver as forças de extrema-direita a crescerem em Portugal?
LP: Não estou muito voltada para aí.
Armando Seiça, mecânico da oficina “Seiça”, tinha 27 anos quando ocorreu o 25 de abril.
A: Quais são as suas principais memórias durante a ditadura?
Armando Seiça: A ditadura era cruel e eu senti na pele da minha família, pois tinha um tio que era advogado, em Lisboa, e que estava preso em Peniche. Naquela altura, a gente não podia falar, não se podia dizer nada.
A: Como era a sua vida durante o regime salazarista?
AS: Eu estive na tropa durante quatro anos, entre 1968 e 1971. Tive sorte em ir para São Tomé, onde não havia guerra, foi a única coisa boa da tropa. Nós dávamos assistência no aeroporto, por isso não dei tiros a ninguém nem levei. Ouvia a rádio “A voz da Liberdade”, escondido, para estar sempre por dentro dos acontecimentos.
A: Conheceu alguém da PIDE?
AS: Lembro-me de um farmacêutico, em Leiria, que tinha cá uma bicicleta e dizia para o meu pai: “Uns rapazinhos estão a portar-se mal, ali, para o lado da Maceira. Vou lá dar uma volta”. E lá ia ele na bicicleta.
A: Como foi, para si, o dia 25 de abril?
AS: Eu soube, pela rádio, que estava em marcha uma revolução. Foi uma grande alegria, para mim.
A: Como se sente ao ver crescer as forças de extrema-direita?
AS: Infelizmente, vejo que as pessoas estão a esquecer-se de muitas coisas do antes do 25 de abril. A revolução trouxe muito desenvolvimento. Por exemplo, antes, havia uma bicicleta para uma casa com quatro ou cinco pessoas. Muitas delas iam trabalhar para a Maceira ou para a Corredora a pé. Agora, muitos esquecem-se disso e até param aqui com grandes carros. O 25 de abril deu-nos liberdade de expressão. Antes, eu não podia falar; hoje, posso estar aqui a dizer as minhas ideias e a ter liberdade de pensamento. Sou militante do partido comunista. Há umas coisas com que concordamos e outras não, mas eu tenho a minha liberdade de pensamento.
A: Considera que pessoas da sua idade, que viveram durante a ditadura, ainda não conseguem expressar-se livremente?
AS: Não, isso já foi ultrapassado, as pessoas já têm liberdade há muito tempo. Agora, algumas podem ter medo do ”Zé” ou do “Manel” por causa do emprego. Eu, felizmente, nunca tive um patrão, nunca precisei de dizer “não sou comunista”.
Armindo Ferreira, sacerdote desde 1979, tinha 22 anos quando se deu a revolução, sendo, na altura, um estudante do seminário.
A: Quais são as suas principais memórias durante a ditadura?
Armindo Ferreira: Eu mal ouvia falar sobre as eleições, não era uma coisa muito comentada, por isso, nós vivíamos fora do âmbito da política. Só vivíamos daquilo que a formação nos dava e esta era toda muito escassa e muito pouco dada a alguém que quisesse pensar ou viver algo diferente daquilo que o governo pensava.
A: Como foi, para si, o dia 25 de abril?
AF: Eu estava em Coimbra. Lembro-me que vivíamos numa residência e íamos às aulas ao seminário. Nesse dia, quando lá chegámos às 8h30 é que soubemos que se tinha dado o 25 de abril. Foi numa quinta-feira e, durante o intervalo, uns colegas meus diziam ”Vamos ao quartel buscar armas”, mas não chegaram a fazê-lo. Nós éramos estudantes de Teologia, porém, íamos a todos os comícios de todos os partidos, a todas as manifestações. Foi, de facto, um momento muito interessante de vivência política. Estava tudo muito ansioso. Os serões que tínhamos eram dedicados à política.
A: Quais são, para si, as principais diferenças entre o Estado Novo e a atualidade?
AF: Sobretudo, a comunicação, que hoje é completamente diferente. Na altura, era muito restrita, alguns trabalhavam na BBC (rádio e televisão do Reino Unido) para poderem informar o país daquilo que o país não informava.
A: Sente que o país se desenvolveu desde a ditadura?
AF: Sim, muito! Por exemplo, só íamos ao médico quando estávamos quase a morrer e tinha que pagar-se bem caro, porque não havia Serviço Nacional de Saúde, era tudo particular. Quando se estava doente, usavam-se as mezinhas da aldeia, pois chá e sopa de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Outro exemplo é ao nível escolar: um dia, a minha professora deu-me um lápis, porque só usávamos os restos dos lápis das nossas famílias. Não havia dinheiro para comprar material.
A: Como se sente ao ver as forças de extrema-direita a crescerem?
AF: Vejo com a maior naturalidade, tal como vi a subida da extrema-esquerda. Sei que a vida social é assim e nós temos que nos habituar a viver com a diferença. Sabendo que o povo não é estúpido, na altura certa, dará razão àqueles que a têm. Temos que aceitar e conviver com o diferente. Temos de aceitar as diversas posições políticas, mesmo que não concordemos com elas, senão, estaríamos a voltar atrás e isso não pode ser.
Carolina Pacheco (11.º C) e Inês Sequeira (11.º D)